terça-feira, 25 de setembro de 2012

Nas neves do Kilimanjaro


O Deserto alpino


Animados com o resultados da aclimatação, saímos às 08:30 do acampamento Mawenzi, descendo até a área desértica que antecede o último acampamento. A caminhada continuava lenta e a paisagem, embora bonita e diferente, tem a monotonia do deserto alpino e suas milhares de pequenas pedras. A região é conhecida como “The Saddle”. Para nos animar, a visão da face norte do Kilimanjaro que volta e meia era tomada pelas nuvens.



Face Norte do Kilimanjaro
Iniciando a caminhar no 5o. dia
Face Norte do Kilimanjaro
Rumo ao objetivo
Acidente Aéreo no Kilimanjaro
Acidente Aéreo no Kilimanjaro
The Saddle
The Saddle
No meio do caminho, vimos os destroços de um Cessna que vinha do Quênia e caiu em novembro 2008. Infelizmente, vitimou 4 turistas italianos que faziam um vôo panorâmico.

Após esse trecho, entre o Mawenzi e o Kibo, há duas opções de descanso antes da subida ao cume: o Kibo Hut e o School Hut. Ambos ficam aproximadamente à mesma altitude. Tomamos o desvio à direita e fomos para o School Hut. Depois de seis horas de caminhada no total, com várias pequenas paradas, chegamos ao campo. A neblina contribuia com o frio e passei a usar o casaco de pluma de ganso. Devido à escassez de água neste campo, perdemos a mordomia de banheiro privativo e banho quente

School Hut
Chegando ao School Hut
School Hut
Nosso abrigo
School Hut
School Hut
Os beliches e os alemães nos sacos de dormir
Aqui, ao invés de nossa barraca amarela, ficamos em um abrigo de madeira, com um grande beliche e colchões. Quatro alemães já estavam instalados em seus sacos de dormir e procuramos fazer o mínimo de barulho ao comer o almoço. Mas, de repente, da sala ao lado começa um som de Bob Marley….Surreal !! A 4750m o reggae tocava a toda. Até os alemães acordaram e ficaram rindo. Nos instalamos, mas o som continuava e o pior: a sala pertencia a um dos guardas do parque e ele havia saído, deixando a porta trancada.

Almoo
Frango com macarrão no almoço
Se não bastasse a ansiedade pela subida final, o descanso da tarde foi prejudicado pelo som, que foi do reggae, passando pelo rap americano e músicas africanas. Nos levantamos às 17:00 para um lanche e, finalmente, o guia do grupo dos alemães conseguiu arrombar a porta e desligar o som. Ufa….

Nos deitamos novamente, já parcialmente vestidos para a subida, com as camadas de 2a. pele e fleece, procurando deixar as coisas mais ou menos organizadas. Mais uma vez, o sono foi leve. Às 22:00 nos acordaram e então veio o jantar: uma sopa excelente para aquecer o corpo e nos dar energias para a trecho final. Aqui faço um comentário à parte: na subida ao Monte Roraima, aprendi que não fazemos um “ataque ao cume” (expressão muito usada nas escaladas). É a montanha que nos permite o acesso.

Enchemos as garrafas com água quente e colocamos dentro das mochilas para evitar o congelamento. terminamos de vestir os casacos, polainas, luvas, balaclavas e incluímos uns sachês nos pés e nas mãos que aquecem ao contato com o ar.

Recebemos os lanches fornecidos pela equipe para a subida (e levamos mais algumas barrinhas de cereal para garantir). Enquanto isso, nossos carregadores já levavam as bagagens para o Kibo Hut.

No topo da África !!


A idéia era sair mais cedo, mas só iniciamos a subida às 00:30. De cara, um dos presentes do dia: uma bonita lua cheia iluminava nosso caminho a ponto de não precisarmos usar as lanternas de cabeça por quase duas horas e meia. A experiência começou de forma incrível.

Se o ritmo foi lento em todos os dias, agora foi muito lento. Respira, anda, respira anda..Uma sincronia que vamos aprendendo, com a firme convicção que vamos chegar lá em cima.

Havíamos perguntado ao guia o motivo de sair de madrugada. A resposta foi interessante: além de ter um belo nascer do sol, à luz do dia algumas pessoas ficam desestimuladas com o trecho que precisam vencer. Além disso, é claro, há a questão logística, já que teríamos que descer até o Horombo Hut no mesmo dia.

Seguimos ziguezagueando, lentamente, em um terreno de cascalho. Acima as luzes das lanternas daqueles que saíram mais cedo nos indicavam que ainda havia um bocado a ser percorrido. Nas paradas para descanso, cada vez mais freqüentes - não exatamente por falta de ar, mas para dosar as energias e evitar quaisquer problemas - vamos descobrindo que a água (antes quente) está se mantendo líquida, mas as barrinhas de cereais congelaram.

A mais ou menos 5300 m, o segundo presente do dia: o nascer do sol, tendo um “mar”  de nuvens e o pico Mawenzi no horizonte. Consegui as primeiras fotos do dia, torcendo que a máquina não tivesse problemas com o frio de –5oC.

Nascer do sol 1
Nascer do sol a 5300 metros
Subida ao Kibo
Rumo ao topo. No alto, à direita, outros
caminhantes
Subida ao Kibo
Algumas pessoas estavam descendo em ritmo rápido e o guia nos explicou que estavam tendo problemas. Também vimos uma turista japonesa que insistia em subir com seu guia, mas estava visivelmente passando mal. Apesar de não ser uma montanha que exija técnicas especiais, estamos lidando com altitude e frio e isso requer todo cuidado possível.
Subida ao Kibo
Equipados para o frio
Subida ao Kibo
O esforço não é pouco !!
Mais turistas descendo e perguntei se eram mais problemas. Aí o guia me deixou apreensivo. A resposta foi: “estão voltando do Gilman´s Point. A essa hora, não dá prá ir ao topo”. Como assim? “Até o topo, ainda demora e vocês estão no ritmo lento”. Rosana então disse: “Você vai até o topo e eu fico no Gilman´s Point”. Nos separamos e comecei a subir um pouco mais rápido, acompanhado no nosso segundo guia.

Cheguei ao Gilman´s Point, mas esperei Rosana e pensei comigo “Já está de bom tamanho”. Ficarei por aqui mesmo – O Gilman´s Point já significa que você oficialmente escalou o Kilimanjaro. Rosana, chegou, tiramos fotos e nos abraçamos. Foi impossível conter os soluços de emoção. Quando disse que ficaria ali, Rosana me incentivou: “Você não terá outra chance. Aproveite e vá”. Daí perguntei ao guia se ele achava que daria para ir. A resposta foi: “Se você tem pernas, é possível sim”.

Gilmans Point
Uma grande conquista dos Mangos !!
Nos separamos novamente. Rosana desceu, acompanhada do guia Makashi e eu segui com o guia assistente, na trilha que margeia a borda da cratera. O desnível de 214 m até o topo levou mais duas horas de caminhada. Aqui percebi o vacilo de ter esquecido os óculos escuros. Até um pedaço de papel higiênico que algum imbecil deixou no chão refletia a luz a ponto de incomodar a visão.

O visual é compensador: ver as geleiras e neves no Kibo (o maior e principal pico do Kilimanjaro). e, por volta das 09:30, cheguei ao topo da África: o Uhuru Peak, a 5895m de altitude. Enquanto outros turistas se aglomeravam para as fotos na placa que marca o ponto, parei, olhei ao redor e, mais uma vez, solucei de emoção. Todo o esforço, todo o planejamento valeram a pena. Mentalmente, agradeci a Rosana pelo incentivo, marquei o ponto com o rastreador spot e fui lá tirar a foto de registro.

Uhuru Peak
No topo da África !!
Não demorei muito e comecei a voltar. Na descida parece que passamos a desfrutar dos “créditos” que o corpo acumula na subida. O ritmo passa a ser mais veloz, apenas dosado pelo cansaço muscular. Vejo as pessoas subindo devagar e penso “Já passei por isso e consegui”. Impossível não conter os sorrisos, mas não deixo de incentivá-las: “Almost there!”.

Neve1
Neve próxima ao Gilman´s Point
Neve2
Glaciar Rebmann
Neve4 Neve3

A descida, a partir do Gilman´s Point é um desafio para os joelhos e me lembra os tempos em que era possível subir o Morro do Careca, em Natal. Vamos nos soltando e afundando as botas no cascalho – foi onde vi a utilidade das polainas que estrearam apenas na subida. Vejo o destino intermediário – o Kibo Hut, mas parece que ele não chega nunca. Um trecho prá lá de entediante. Apesar disso, gastamos cerca de 1,5h para descer tudo que subimos em 6,5h.

Outros posts da série:

- Kilimanjaro: retorno pela Rota Marangu
- Kilimanjaro: No semideserto
Kilimanjaro: Objetivo à vista
Kilimanjaro: O início da caminhada
Kilimanjaro: Muitos quilômetros até começar a caminhada
Kilimanjaro: Planejamento e preparação

39 comentários:

  1. Nossa cara!!! Consegui sentir aqui um pouco do que deve ter sido esse emoção! Parabéns mil vezes! Tu é o cara!

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    1. Muito obrigado, amigo !!. É uma emoção que guardaremos para sempre !!
      Grande abraço

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  2. Também me emocionei! Fico orgulhosa de ter um conterrâneo numa aventura tão especial! Parabéns! E a Rosana também que soube ser generosa de parar na hora certa e estimulá-lo a continuar! Depois vamos marcar um encontro dos viajantes potiguares, quero ver mais fotos! :)

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    1. Obrigado Karla! Foi uma aventura que exigiu uma boa dose de preparação e, no final, tudo deu certo. Foi mesmo muito especial.
      Abraço
      Jodrian
      E Está mesmo na hora de realizar estes encontros com blogueiros e viajantes. Vamos colocar prá frente essa idéia :)

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  3. Sensacional! Maravilhoso! Mais uma vez: Parabéns!

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  4. Emocionante! Parabéns, estou adorando os post! As vezes me falta o folego.. Rsrs!! Abraços,
    Paula
    www.mochilinhagaucha.boogspot.com.br
    ...

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  5. Olá Jodrian!
    Estou acompanhando e me deliciando com os relatos de cada post, mas este aqui foi demais!
    Arrepiei lendo o relato e podemos sentir a emoção do alcance do objetivo. Também concordo que me dá falta de ar um pouco, lendo...rsrs...
    Parabéns pela expedição, pelo planejamento e obrigada pelo compartilhamento!
    Abraços!
    Marcia

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    1. Obrigado pelos comentários, Márcia!!.
      Essa é uma daquelas aventuras que onde gostaríamos que todos os amigos estivessem conosco para viver as mesmas emoções. Experiências como esta são para toda vida!
      Grande abraço
      Jodrian

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  6. Jodrian, me emocionei com a sua chegada, lendo cada palavra. O fato de entender o porquê vocês subiram de madrugada, o incentivo da Rosana e a sua chegada ao pico mais alto são acontecimentos que impressionam. A foto do Glaciar Rebmann é impressionantemente linda! Parabéns pela aventura, pela narração e pela superação. Garanto que muitas pessoas que, como eu, nunca pensaram em subir o Kilimanjaro, agora pensam nessa viagem como algo possível com esforço e preparação (graças aos seus posts). um abraço!

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    1. Ludmy,
      Algum tempo atrás, se me dissessem que eu subiria o Kilimanjaro eu diria que não era pro meu bico. Mas também nos inspiramos em outros relatos e acabamos descobrindo que é possível vencer esses e outros desafios maravilhosos. Durante a subida, chega um momento em que o que conta é a vontade. É muito mais coração que músculos e pulmões. Gostei muito de seus comentários, pois saber que, de alguma forma, podemos emocionar e incentivar as pessoas é nossa maior recompensa :)
      Muito obrigado e um grande abraço

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  7. Obrigada você e um super abraço!

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  8. Sensacional e emocionante, Jodrian! E as fotos, claro, belíssimas!

    Bjs,
    Karla

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  9. Parabéns Jodrian, bela conquista e belo relato. Abraço!

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  10. Parabéns Jodrian, bela conquista e belo relato! Abração

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  11. Quando o livro vai ser publicado?? :-)

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  12. Mais uma vez parabéns! Associo-me aos demais quando dizem que avidamente lemos o relato da aventura. Grande abraço!

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  13. Parabéns mesmo, grande conquista. E o livro é uma boa idéia!
    Abração

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  14. Oi, Jodrian. Tudo bem? :)

    Seu post foi selecionado para a #Viajosfera, do Viaje na Viagem.
    Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com

    Até mais,
    Natalie - Boia Paulista

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  15. Ei Jodrian,
    Show de bola o relato!! Fico imaginando todo o esforço e cansaço, mas deve ser uma experiência unica. Que bom que vc não desistiu e foi até o fim. Parabéns!

    =)

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    1. Foi mesmo um belo esforço. O dia da subida ao cume e mais a descida ao Horombo Hut (que falaremos no próximo post) foi o mais cansativo de todos. No final valeu muito a pena.
      Obrigado e grande abraço

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  16. Na hora da subida ao cume vc não pensa muito, mas analisando depois vi que a nossa subida foi ótima, devagar como deveria ser, em função da altitude e realmente no nosso ritmo, feito esse permitido por ter contratado uma subida particular para o Kilimanjaro. Ou seja, parávamos quando quiséssemos e tivéssemos vontade, seja para descansar, apreciar a lua, o sol nascendo, tirar fotos, sentar e tentar comer uma barra congelada ( que não conseguia morder por causa do aparelho e Jodrian tinha que me passar os pedaços) ou tomar água. É uma subida difícil e mesmo quando aparecia a vontade de desistir, vinha uma voz mais forte que não deixava. Eu sabia que conseguiria chegar até os 5685 mts , pois eu estava muito confiante justamente por não está sentindo nenhuma dor de cabeça, dificuldade respiratória, cansaço, incômodo nas pernas ou frio extremo (estávamos bem agasalhados), além da certeza de que tínhamos nos preparado bem fisicamente e feito uma maior aclimatação pela escolha da rota Rongai e pelo dia a mais no Mawenzi. Portanto, deu tudo certo mesmo e estou muito orgulhosa de ter conseguido !!!

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    1. Também fiquei muito orgulhoso de seu desempenho. Tudo foi fantástico :)

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  17. Muito legal... que bom que a Rosana te incentivou na subida. Imagino a dor no coração dela não ter feito até o final, mas o orgulho de saber que a nossa outra metade fez, não tem preço!
    Adorei a saga de vocês...
    Depois preciso ler como foi a preparação, se houve alguma...
    Parabens pelo relato!!!!

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    1. Muito obrigado Mirella !!,
      Houve uma preparação sim. É o primeiro post da série. O Kilimanjaro é uma aventura possível :)

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  18. Caro Jodrian,
    Excelente sua aventura! Seu relato nos transfere a emoção e nos maotiva para aventuras como a sua.
    Abraços,
    Sérgio Araujo.

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    1. Obrigado Sérgio!.
      Esse é um ótimo retorno que recebemos para nossas postagens: incentivar outros viajantes :)
      Abraço

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  19. Ei Jodrian,

    Super parabéns pela conquista! Chegar ao topo dever ser um momento único e inesquecível! Transmita os meus parabéns a Rosana também! :)

    Abraços,
    Lillian.

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    1. Obrigado Lillian,
      Foi algo que marcou muito e nunca será esquecido :)
      Abraços

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  20. como você contratou a infraestrutura de guias e apoio? A impressão que eu tenho é a de que as coisas são desorganizadas por lá e os guias querem tirar o seu dinheiro a qualquer custo. Será que há empresas confiáveis?

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    1. Olá,
      Contratamos através da Morgado Expedições, no Brasil, que contratou a Snow Caps. Tudo funcionou perfeitamente durante a expedição. Veja detalhes do planejamento aqui: http://www.aventuramango.com.br/2012/09/kilimanjaro-planejamento-e-preparacao.html

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