sexta-feira, 29 de março de 2019

Caminho de Santiago – Leon-Compostela 03


Rossana e Rosana. Lá no horizonte,
as montanhas nevadas
No Caminho de Santiago, pelo menos nesta época do ano, uma questão logística que sempre deve ser levada em conta é a disponibilidade de café-da-manhã no horário que se deseja começar o dia. Se for antes do horário disponibilizado pelas hospedagens, há que preparar no dia anterior ou iniciar o percurso e parar mais adiante.

No 3º dia de caminhada, conseguimos combinar com os responsáveis pela Pousada El Caminante para abrir mais cedo, de modo que não demorássemos muito a sair e assim foi feito: conseguimos tomar o café às 07:30 (com o nascer do sol) e sair por volta das 08:15.

O desafio do dia estava muito claro: vencer uma grande altimetria acumulada e a distância que continuaria em torno dos 30 Km. Nosso destino seria a pequena e muito simpática cidade de El Acebo, com passagem pela famosa Cruz de Ferro.


Café da manhã: suco de laranja, café com leite e tostada com tomate e azeite.
Foto de Rosana Soares
Companhia do visual das montanhas
O caminho seguiu margeando a rodovia em trilha de terra batida e o primeiro povoado na sequência é El Ganso. Céu limpo, apenas riscado pelos aviões que marcam seus caminhos aéreos. Na sequência, passamos por uma área onde os caminhantes fazem pequenas cruzes com galhos e encaixam na cerca que corta o bosque. Talvez com exagero, achei um tanto macabro, mas faz parte dos pequenos e variados rituais que encontramos em muitos trechos até Santiago de Compostela.

Subida em meio às árvores com poucas folhas.
Continuamos subindo e chegamos a Rabanal Del Camino. Ali decidimos almoçar de verdade, fugindo dos lanches à base de bocadillos. Paramos em uma das únicas opções que estavam abertas - o restaurante da Pousada de Gaspar. A construção original remonta ao século XVII e  já foi um hospital de peregrinos.


Naquele momento, pareceu uma boa opção, com um ótimo menu a preços razoáveis. Contudo, não previmos o efeito fisiológico de voltar a caminhar com a barriga cheia, o que gerou algum desconforto e prejudicou o ritmo, justo quando o aclive se acentua. Lição aprendida.

Subimos o Monte Irago até chegar à altitude de 1530m, onde se localiza um dos monumentos mais emblemáticos do Caminho: a Cruz de Ferro. A Cruz, em si, é pequena, mas fica no alto de um poste de carvalho com 7 metros de altura, sobre uma base de pedras que vai aumentando a cada dia, resultado do aporte de mais pedras trazidas pelos caminhantes e depositadas ali, junto às suas orações.
Marcos e Rosana na base da Cruz


Neste ponto, nosso estoque de água estava praticamente zerado. Esperávamos reabastecer em algum ponto na área da Cruz de Ferro mas, se existia, não encontramos. Seguimos na esperança de hidratar mais à frente. Na verdade, até que vimos água, mas água congelada - provavelmente resultado do frio intenso na madrugada anterior àquela altitude.

Gelo no caminho
O tempo foi passando e as únicas fontes que víamos estavam protegidas por cercas elétricas, destas usadas para conter o gado. Que situação mais chata: precisávamos beber e nada de acesso ao precioso líquido. Eu caminhava à frente do grupo e eis que encontro um local onde a cerca permitia a passagem de uma pessoa por baixo. Não contei conversa: baixou o espírito ninja e rolei por baixo da cerca.

Filtrando água no Caminho
Como levei meu kit de filtragem da Sawyer para evitar qualquer problema com a ingestão de água não potável, passei ao trabalho de filtrar e encher as garrafas do grupo. Trabalho feito, saio por baixo da cerca para descobrir que havia uma passagem logo mais à frente (Valeu, Marcos....hahahaha).

A hidratação estava resolvida, mas ainda havia muito caminho (e desníveis) a percorrer. Vamos em frente! Encontramos outro ponto icônico do percurso: O Albergue Templário de Manjarínum, situado ao lado da rodovia. Não entramos, tanto pelo tempo escasso que tínhamos quanto pela ameaça dos cães de guarda que estavam soltos. Por fora, é uma curiosa profusão de placas, bandeiras e outras coisas e é gerenciado por caminhante que passou a morar por lá e se veste de templário.

Entrada do local
A esta altura, a tarde já avançava, mas restavam "apenas" 7 Km até El Acebo. Curioso como a percepção das distâncias vai sendo modificada ao longo dos dias. Para complicar, o trecho traz uma grande dificuldade de progressão: muitas pedras soltas na trilha estreita, trazendo a necessidade de caminhar com cuidado para evitar qualquer luxação ou entorse. Eu estava mais vulnerável porque optei por fazer o caminho com tênis, que não protege o tornozelo.
Marcos e Rossana e a trilha com muitas pedras soltas. Foto de Rosana Soares

O tempo foi passando e começávamos a ficar preocupados com a hora de chegada, a ponto de deixarmos as lanternas em acesso fácil. El Acebo (que fica continua na descida) simplesmente não aparecia na frente. As placas indicativas das opções de hospedagem anunciavam, entretanto, que não faltava muito.

Um entardecer belíssimo animou a chegada

Merece uma pausa para fotografia
Próximo a El Acebo. A trilha continua com pedras soltas, mas
já se avista a cidade lá embaixo.
Chegamos ao pequeno e charmoso povoado e a primeira opção que miramos estava (sem surpresa) fechada. Caminhamos mais alguns metros e havia uma outra alternativa no final da cidade. Àquele ponto, ficamos sem muita energia para ir até o final e descobrir se o albergue estaria aberto ou não. Marcos resolveu voltar um pouco e conferir a pousada La Rosa del Agua - o primeiro prédio à esquerda de quem chega. Passou pouco tempo e trouxe as informações sobre a hospedagem. Num instante, decidimos ficar lá.

Excelente opção! A pousada é pequena (com apenas 3 quartos), mas muito aconchegante. Quartos privativos com cama super confortável, chuveiro com hidromassagem vertical e uma pequena loja no piso térreo, para que se comprar alguns itens de alimentação e outros suprimentos, tudo a preços bem razoáveis. Sem contar a simpatia e hospitalidade dos responsáveis - um americano  e duas australianas (infelizmente não anotei seus nomes). Simplesmente era tudo que precisávamos.

Ficamos no primeiro andar, que tem um espaço comum com frigobar, cafeteira, pia, mesa, poltrona e utensílios de cozinha à disposição dos hóspedes. Sem disposição para sair e procurar um restaurante, compramos salame, queijo, pão, vinho e cerveja e utilizamos o confortável espaço comum para repor algumas calorias e comemorar o final da 3ª e desafiante etapa. Ultreya!!

Percurso do dia:

29,5 Km em quase 12h de caminhada! (Nota: O Strava gerou algum erro no momento da sincronização e "inflacionou" a distância para 31,4 Km).



Outros posts da série

Caminho de Santiago – Leon-Compostela - 1ª parte
Caminho de Santiago – Leon-Compostela - 2ª parte

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