domingo, 22 de outubro de 2017

Huayna Potosi - Vencido desafio dos 6000 m

Cume do Huayna Potosi
Comemorando a subida ao Huayna Potosi

Nossa última etapa da viagem ao Chile e Bolívia começou em La Paz, ao chegarmos de avião vindo de Uyuni. Nesta primeira vez que visitávamos a cidade, ficamos um tanto apreensivos quanto à segurança, começando pelo trajeto noturno entre o aeroporto El Alto (que fica a 4060 m de altitude) e a cidade de La Paz (a 3660 m de altitude).
Nesta descida, o táxi passa por bairros periféricos, bem semelhantes aos de muitas cidades brasileiras. Ficamos alertas para qualquer anormalidade.
Entretanto, a preocupação começou a desaparecer quando chegamos ao simpático Hotel Tinka, localizado no bairro de Sopocachi. Um ótimo atendimento, instalações confortáveis e uma vizinhança bem tranquila.

La Paz

Tínhamos o dia seguinte livre, com o único compromisso de contratar a agência que nos levaria até o Huayna Potosi. Havíamos feito pesquisas prévias pela internet e a escolha foi a Inca Land Tours, localizada na rua Sagarnaga, que também é o endereço de várias outras empresas que prestam o mesmo serviço.

Após discutirmos como seria o tempo nos dias de subida (havia perspectiva de chuva/neve), os serviços e negociarmos o preço, fechamos o pacote por US$ 330,00 para 2 pessoas. Um valor barato, considerando que inclui o aluguel do equipamento, o transporte de ida e volta ao Campo Base e os serviços de guia, alimentação e hospedagem na montanha por 3 dias. Em seguida, fomos provar as roupas e equipamentos, que seriam reservados para a viagem do dia seguinte.

Prova de equipamentos para o Huana Potosi
Provando as roupas e equipamentos na Inca Land Tours
Equipamentos inclusos no pacote: Calça fleece, calça corta-vento, casaco fleece grosso, jaqueta corta-vento, botas duplas, capacete, balaclava de fleece grosso, luvas de frio, polainas, arnês e piolet (piqueta de gelo). A mochila cargueira tinha um custo à parte, mas negociamos para que ficasse incluída no valor pago.
Terminado o compromisso, fomos almoçar e bater perna por La Paz e seu caótico trânsito de pessoas, táxis e ônibus coloridos.

ônibus em La Paz

Ônibus em La Paz 2

Visitamos a área de comércio de souvenirs, também próxima à rua Sagarnaga. Inúmeras lojas com especiarias e ervas, artesanato, roupas e também a venda de fetos de llamas (que faz parte de rituais de prosperidade) e outros animais secos. Não é à toa que a região também é conhecida como Mercado de las Brujas.

Mercado de las Brujas
Tem de tudo ..
Mercado de las Brujas - Bolivia

Para finalizar, à tarde eu fiz o trajeto na linha amarela do teleférico de La Paz (Mi Teleférico), de modo a ter uma visão panorâmica da cidade. Vale a pena o passeio, mas sinceramente, não é lá uma visão das mais bonitas. A imensa maioria das construções não possuem reboco, com tijolos aparentes. Fiz o percurso de ida e volta entre a Estação Sopocachi e a Estação Mirador.

Campo Base do Huayna Potosi

No dia seguinte, o pessoal da Inca Land Tours nos apanhou no Hotel Tinka e nos passou a outro carro que nos levou até o Campo Base do Huayna Potosi, situado a 4700 m de altitude e distante cerca de 34 Km de La Paz.. Essa facilidade de acesso inicial ilude muitos que tentam a ascensão à montanha, levando a muitos fracassos por problemas na aclimatação. Em nosso caso, já vínhamos com mais de 10 dias em altitudes acima de 2400 m, passando pela experiência de subir o Vulcão Lascar (com 5500 m).

Cemitério Abandonado e o Huayna Potosi
Antigo cemitério no caminho. Lá no horizonte, o Huayna Potosi
O Campo Base é uma estrutura simples, mas suficiente para acomodar vários grupos. Fica ao lado da Represa de Zongo, que é abastecida com águas de degelo para geração de energia elétrica.
Chegamos e fomos apresentados a nosso guia de montanha, o Teodosio Quispe (Téo). O campo base estava com pouca gente e, embora os quartos sejam comunitários, ficamos com um só para nós. Nos instalamos, almoçamos e nos equipamos para um treino de escalada no gelo no Glaciar que desce do Huayna Potosi.
O simpático e competente Téo Quispe, no interior do Campo Base

Rosana e o Huayna Potosi
Rosana ao lado da Represa Zongo, com o Huayna Potosi no horizonte

Treino no Glaciar

Esta prática á importante para quem não tem experiência prévia neste ambiente. Primeiro, porque caminhamos com as botas duplas que não são exatamente confortáveis e são pesadas e é importante se acostumar com elas. Depois, pela necessidade de aprender a usar os crampons nas subidas e descidas e usar o piolet para subir encostas de gelo. Sim, é uma técnica que é necessária em um trecho da subida ao cume.

Aí residiu a primeira falha de informações da Inca Land Tours: na discussão inicial, essa parte do pacote foi colocada como apenas uma atividade para auxiliar a aclimatação. Tanto que, com essa perspectiva, Rosana dispensou os treinos de uso do piolet e ficou apenas fotografando e filmando, enquanto eu praticava com Téo me orientando.

Glaciar Huayna Potosi 2
Glaciar do Huyana Potosi
Glaciar Huayna Potosi 1
Local de treino de escalada em gelo. A área cinzenta parece rocha, mas é gelo com uma camada de sedimentos

Exercito Boliviano - Huayna Potosi
No caminho, vimos um contingente do exército boliviano que voltava de treinos na montanha
Jodrian no treino no Glaciar do Huayna Potosi
Jodrian Subindo o glaciar com uso dos crampons e piqueta
Jodrian e Rosana próximo ao Glaciar do Huayna Potosi
Jodrian e Rosana na base do Glaciar
Rosana - Huayna Potosi
Rosana descansando e aproveitando o visual
Voltamos para o Campo Base, onde jantamos e soubemos da possibilidade de se ter um carregador para o transporte das mochilas entre o Campo Base e o Campo Alto. Era uma possibilidade a ser considerada, uma vez que as mochilas com todo o equipamento pesava, seguramente acima dos 15 kg. Como foi mais uma informação que não ficou clara de início, não tínhamos o dinheiro total (300 pesos bolivianos para ida e volta, por pessoa). Definimos que pagaríamos metade e a outra em La Paz.

Fomos dormir. A noite, entretanto, reservaria uma péssima experiência para Rosana que passou um bom tempo sem dormir bem e teve uma grande e desagradável surpresa quando uma aranha pulou em seu rosto no escuro da madrugada. No reflexo, ela agarrou o bicho e matou sem saber exatamente o que era até acendermos a luz. Foi a gota d´água para que resolvesse desistir de seguir adiante.

Rosana dentro do saco de dormir - campo base do Huayna Potosi
Rosana no saco de dormir - Campo Base
Aranha
Uma das aranhas que apareceram no quarto.

Campo Alto do Huayna Potosi

Na manhã do 2º dia, depois do café da manhã, Téo chamou um carro para levar Rosana de volta à La Paz e eu fiquei para seguir até o Campo Alto. Foi chato nos separamos, mas era a decisão correta a ser tomada. Não vale a pena prosseguir em uma atividade de aventura se você não está se sentindo bem.
Todos os materiais foram acomodados na mochila (dispensei a contratação do carregador) e começamos a subida até o Campo Alto logo após o almoço.

Trekking até o Campo Alto
No caminho para  o Campo Alto
Caminhando até o Campo Alto - Huayna Potosi
Névoa e neve no caminho
É um percurso exigente, considerando que é uma caminhada em altitude (saímos de 4700m para 5130m). Mas, seguindo um ritmo adequado, com pausas e uma boa hidratação, não tive nenhum problema, mesmo com a mochila pesada.

Próximo à parte final da subida, mais uma "surpresa". Tive que pagar 20 pesos bolivianos no posto de controle. Não que fosse caro, mas eu não sabia desta necessidade e não havia levado dinheiro e essa era exatamente a quantia que me restava, depois de ter pago o transporte de Rosana. Fiquei "liso".

Posto de controle Huayna Potosi
Posto de controle
Campo Alto Huayna Potosi 1
Campo Alto
Nosso alojamento era composto de um amplo dormitório, com mesas para refeições e uma antessala com a cozinha ao lado. O banheiro fica do lado de fora da construção principal, o que requer coragem para enfrentar o frio.
Dormitório do Campo Alto - Huayna Potosi
Dormitório do Campo Alto
Banheiro no Campo Alto do Huayna Potosi
Banheiro externo com visual de primeira!

Durante o trajeto e algum tempo depois que chegamos, o visual não era muito encorajador com muitas nuvens e até um pouco de neve, desencorajando a saída do alojamento. Pouco a pouco, a paisagem foi revelando um visual fantástico:

Represa Zongo - vista a partir do Campo Alto
Represa Zongo, vista a partir do Campo Alto
Lá pelas 18:00 jantei uma comida simples (arroz, frango e tomate), mas sempre cuidando da hidratação, com chás e água e aí Téo completou as orientações: acordaríamos às 00:00 para iniciar a caminhada até o cume tão logo estivéssemos prontos. Também me alertou que poderíamos ter que abortar a subida, caso demorássemos muito e o calor do sol enfraquecesse a neve. Aliás, esta é uma das razões de segurança para caminharmos durante a madrugada: a neve está mais compacta e firme. Nosso plano, portanto, era estar no cume ao nascer do Sol.

Com isso em mente, arrumei tudo que levaria para o trajeto, vesti as roupas de fleece que usaria na subida e coloquei os eletrônicos junto ao corpo para evitar que as baterias descarregassem com o frio no alojamento. Providências tomadas, me enfiei no saco de dormir para negociar o sono com a mente a mil. Acredito que a maioria daqueles que sobem as montanhas padecem deste problema. Não é fácil desligar os pensamentos e dormir.

De todo modo, consegui uns bons cochilos até às 23:00, quando a bexiga alertou que a hidratação tem seus efeitos colaterais. Com cuidado para não acordar um grupo de umas oito pessoas que também dormia, vesti as botas, calça e jaqueta corta-vento e encarei o banheiro do lado externo. Daí em diante, foi ter (mais) paciência e aguardar a hora de levantar de vez.

Meia-noite. Hora de seguir. Me levantei e me equipei, repassando mentalmente se não estava esquecendo de nada e como estava me sentindo (ótimo, sem nenhum sintoma de mal-estar). Fizemos um lanche rápido e saímos à frente dos demais grupos. Uma vez do lado de fora do alojamento, fiquei conectado com uma corda ao guia e começamos a subida.

Rapidamente estávamos nos campos e encostas nevados, contando apenas com as lanternas frontais para iluminar o caminho e com as luzes das estrelas para tornar tudo aquilo mágico. Várias vezes senti que o único lugar em que eu queria estar naquele momento era exatamente ali, na imensidão da montanha, ouvindo apenas a respiração e o rangido característico dos crampons contra a neve.

Além do percurso, por si só, o primeiro grande desafio foi um trecho de grande inclinação, onde foi necessário usar as piquetas, com meu guia indo à frente e fazendo a segurança. Quem já o fez, sabe que a progressão exige um bocado de esforço físico, principalmente em altitude. Para aliviar um pouco, havia vários "degraus" formados na neve pelos passos de quem já havia subido anteriormente. De todo modo, fazer isso e à noite foi um grande teste.
 
Marcações SPOT
Marcações do SPOT entre o Campo Base e o cume do Huayna Potosi
Prosseguimos a caminhada, com pequenas e rápidas paradas para manter um bom ritmo sem forçar demais.
Quase 3 horas e meia depois, um grupo que vinha com ritmo mais forte nos alcançou. Se me recordo eram alemães e suíços e seu guia boliviano. Sentamos juntos para comer uns chocolates e chá de coca. Daí o outro guia, ao saber que eu era brasileiro, me diz que, de cada 5 brasileiros, 4 desistem de chegar ao cume. Não sei se ele queria me encorajar ou duvidava se eu conseguiria. Bom, eu disse que faria parte dos 20% que conseguiam.

Finalmente, chegamos ao segundo grande desafio: seguir pela aresta que dá acesso ao cume. Já havíamos visto em fotos que era um dos trechos mais assustadores, tendo em vista o curto espaço para caminhar e questionamos na agência qual seria o comprimento desta aresta. A responsável minimizou o risco, com certeza para evitar que desistíssemos do pacote. É importante ressaltar: não é para quem tem medo de altura. Uma queda ali certamente causaria sérios problemas


trecho na aresta Huayna Potosi
Um grupo sobre pela aresta de acesso ao cume
 
Pouco antes do nascer do Sol, aproximadamente às 06:00 - ou seja, após 5 horas de caminhada a partir do Campo Alto - chegamos ao cume! Uma sensação indescritível que só sabe quem supera suas barreiras físicas e psicológicas e alcança o topo das montanhas, esses lugares mágicos, com vistas privilegiadas.

Cume do Huayna Potosi - Bolivia
Cansado, mas contente. Cume do Huayna Potosi ! Lá atrás, as luzes de La Paz.
Notem a barba com pingentes de gelo devido ao frio no local
Amanhecer no Huayna Potosi
Amanhecer no Huayna Potosi
Cume Huayna Potosi
Eu e meu guia Téo Quispe
Aresta Huayna Potosi
Posando durante a descida da aresta
Ficamos por ali uns quinze a vinte minutos, suficientes para curtir o visual que se revelava com as primeiras luzes da manhã e fazer algumas fotos e começamos a descida. A incidência solar refletida em toda aquela brancura traz calor e a exigência contínua dos músculos na descida nos leva a querer parar mais para descansar. É preciso manter o foco.

Descida Huayna Potosi 1
Descida do cume para o Campo Alto
Descida do Huayna Potosi - trecho com piquetas
Apenas de dia dá para se ter noção do trecho onde usamos a piqueta
Após umas duas horas de descida, alcançamos o Campo Alto e Téo me alerta: temos uns 30 minutos de descanso, mas evite dormir. Sem problemas. Apesar de cansado, não estava sentindo nenhum problema decorrente da altitude. Tirei as roupas e botas de escalada, substituindo pelas botas de caminhada e arrumei tudo novamente na mochila cargueira. Hora de voltar ao Campo Base, que alcançamos em mais uma hora e pouco de caminhada.

Daí foi voltar de carro, em um trajeto que agora parecia interminável, de volta a La Paz. Como último registro, a gentileza do pessoal do Hotel Tinka que me emprestou dinheiro para pagar o táxi entre a agência Inca Land Tours e o Hotel (lembram-se que fiquei "liso"?).

Aproveito para agradecer ao meu guia Téo Quispe, que conduziu todo o percurso com competência e cordialidade.

Dicas

1) Itens mínimos que você deve levar (não estão incluídos nos equipamentos que são alugados):
  • Mochila de ataque (25 - 35 litros) para subida ao cume
  • Chinelo para os períodos no Campo Base e Alto
  • Papel higiênico e/ou lenços umedecidos
  • Lanches energéticos (chocolate, barra de cereal etc.)
  • Uma muda de roupa para os momentos onde não estiver caminhando/escalando
  • Meias de frio
  • Botas de caminhada (para o trecho entre o Campo Base e o Campo Alto)
  • Lanterna de cabeça
  • Óculos escuros para montanha (usados principalmente durante o trecho de descida do cume).
  • Medicamentos que precise, conforme orientação de seu médico.
  • Baterias extras - Só há possibilidade de carregar os eletrônicos no Campo Base.
2) Aclimatação
  • Invista seriamente em um bom período de aclimatação à altitude. Um ou dois dias em La Paz provavelmente não serão suficientes. Obviamente, isso depende de cada organismo, de modo que é importante verificar como seu corpo reage à altitude. Como referência, lembre-se que a disponibilidade de oxigênio a 6.000m de altitude é de cerca de 49% em relação ao nível do mar.
  • Nunca se esqueça de uma boa hidratação.
  • O apetite diminui, mas procure se alimentar bem.
3) Informações






















  • Pergunte tudo na agência que você contratar. Não seja surpreendido por aspectos operacionais que não estejam claros.

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